Viver na Mantiqueira

Nós inauguramos hoje uma nova seção do Red Lotus Spiritual Travels.

Ela é mais pessoal e intimista, e conta um pouco mais de nossa vida aqui em Campos do Jordão e região da Mantiqueira.

Escolher viver em outro lugar abre uma etapa na vida de qualquer pessoa. Encerram-se ciclos, mudam as amizades, perfumes e cheiros são outros, sabores inebriam, e o olhar traz surpresas e alegrias…

Muito bom começar de novo!

Aqui vamos falar do nosso cotidiano em Campos e cidades vizinhas, dos personagens, da gastronomia e dos passeios da Serra da Mantiqueira e, talvez mais do que tudo, descobrir uma outra maneira de olhar para esse lugar tão especial. Reflexões sobre a vida, nossos aprendizados (e erros!) e as pequenas preciosidades que encontramos aqui vão fazer parte desse percurso.

Acompanhe essa viagem conosco!

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Felícia, o pequeno pássaro que me acompanha

Eu não mudei sozinha para Campos de Jordão. Junto comigo e meu marido, veio Felícia. Ela me inspira, ela me segreda, ela está presente no vento e nas araucárias. Eu sou capaz até de sentir seu perfume, embora nunca a tenha conhecido. Percebo a menina que usava cerejas como brincos debaixo do seu chapéu de palha entre os cedrinhos do meu jardim. Esbarro nas praças da cidade com a mulher que gotejava suor ao trabalhar em cima de suas esculturas até de madrugada. A presença dela é contínua. Tenho cá para mim que Felícia Leirner se tornou anjo.

Por isso, eu não estranhei quando descobri, por acaso, que o dia em que iniciamos nossas atividades espirituais aqui, com uma meditação ao pôr do sol no museu que abriga as esculturas dela, era o dia do seu aniversário. Ela faria 112 anos no dia 16 de julho. Era um presente dela para nós, e de nós para ela.  

E aqui abro um parêntese que nos auxilia na compreensão da visão mística de Felícia. Embora judia de origem, ela era ecumênica na sua busca pela transcendência. Esculpiu um São Francisco de Assis, como também de suas mãos saiu um magnífico anjo. Um incidente ocorrido quando seus filhos eram pequenos talvez possa nos ajudar a decifrar um pouco de sua espiritualidade abrangente e universal. Nessa época, Felícia adoeceu gravemente e, durante uma cirurgia, teve uma experiência de quase morte. Viu seres longilíneos que lhe disseram que ainda não era o seu momento de morrer, porque ela ainda tinha uma tarefa espiritual a cumprir por aqui nesse plano. Durante toda sua vida, a escultora se questionou se a estaria cumprindo. E essa questão também está muito presente em nossos corações. Qual é nossa tarefa espiritual aqui? Como ela se desenrola em nossas existências? 

A conexão com Felícia também acontece por outros motivos. A neta de Felícia, Sheila Leirner, é também muito próxima a mim. Trabalhamos juntas como críticas no jornal O Estado de São Paulo. Tínhamos vinte e poucos anos numa época em que a maioria dos outros jornalistas da editoria de artes tinha cinquenta. A cumplicidade foi imediata. Foi um período muito rico de intensas reflexões sobre a arte no Brasil, em conjunto com os críticos de outras áreas. Eu voltava de um doctorat de specialité na Sorbonne IV, acadêmico e tedioso até a asfixia, e estava fascinada pelas possibilidades de abertura e criatividade do jornal. E escrever sobre televisão de maneira mais conceitual era inédito no Brasil até aquele momento. Além disso, os editores, Cremilda Medina e Luiz Carlos Carvesan, nos davam total liberdade. Foram oito anos muito produtivos.

Acredito que tenha sido Sheila quem me falou pela primeira vez de Felícia, sua avó materna. E me apaixonei. Não só por suas esculturas e arte, mas também pela vida e personalidade dela: a menina judia que veio da Polônia mas que nunca se deixou abater pela guerra; a moça que teve coragem de enfrentar o grande mestre Brecheret e pedir para ser aluna, quando já tinha 44 anos de idade e na conservadora década de 40; a escultora que aprendeu muito sozinha, com seu notável conhecimento sobre os artistas plásticos do passado; a mulher enamorada por Isai, seu marido, e a artista que um dia veio morar em Campos do Jordão. Assim como nós, agora.

 

Pouco a pouco, as esculturas se tornam cada vez mais abstratas. Ao fundo , entre araucárias, as formas humanas longilíneas.

Meu coração se emociona ao ler o que ela escrevia na época em que morou aqui. A antiga araucária do lado de sua casa batizada de Profeta Isaías. As colinas mansas, o frio, a neblina, o trabalho, a lareira. Nesse cenário, nasciam suas obras de formas semiabstratas que retratam bichos, habitações, santos, famílias, pássaros e anjos. As mais pungentes, para mim, são exatamente as últimas: molduras brancas que apenas enquadram a paisagem de araucárias. Dessa maneira, a escultora Felícia, com sua arte mística e livre, se rende definitivamente ao seu grande amor, a natureza.

Felícia foi mãe de Giselda, artista plástica e escritora de talento, e de Nelson Leirner, um dos expoentes da arte nacional. E Giselda é mãe de Sheila, a neta, conceituada crítica de arte e curadora de duas das mais revolucionárias edições da Bienal Internacional de São Paulo. Bons frutos, esses.

Sheila vive há muitos anos em Paris, onde também morei,  mas pouco nos vemos hoje em dia. Só conheci seu marido Patrick há dois anos, e temos diálogos carinhosos pelo Facebook para matar a saudade. Porém, o mesmo fio cristalino de amor e cumplicidade ainda nos liga. Quando nos falamos, parece que nos encontramos na véspera. Me sinto à vontade com ela, Giselda e Patrick, como amigos que compartilham uma fina sintonia.

Hoje, minha vida e a de Felícia se entrelaçam aqui em Campos do Jordão. A irmã de um dos ajudante dela, Germano, que fazia o trabalho pesado da montagem das esculturas em ferro ou concreto armado, é minha querida diarista Ana Ferreira. O filho do seu caseiro trabalha com meu marido, assim como um dos garotos que jogavam futebol na mesma rua dela e que aconheciam. Nesse sentido, Campos é quase incestuosa. Mas o que mais me faz aproximar de Felícia ainda é o coração. Temos a mesma inclinação mística, o amor pela casa e pela natureza.

Deixo aqui um pequeno trecho, quase um koan, escrito pela escultora e recolhido no livro Felícia Leirner, textos poéticos e aforismos, de J. Guinsbourg e Sergio Kon (editora Perspectiva). Ele dá a dimensão da indagação existencial desse pequeno pássaro que viveu aqui entre as montanhas e que hoje acompanha nas minhas reflexões. Diz ele:

Comprei cerejas no Brasil, olhei: que lindas e gostosas! Será que são as mesmas que comi em Varsóvia há 60 anos? Lembro-me ainda que as pendurava nas orelhas como brincos e enfeitava com elas meu chapéu de palha. Agora, o que mudou? Foram as cerejas? Não está aqui meu chapéu de palha, nem as orelhas pequenas cobertas de cachos loiros. Quem é que está agora comendo cerejas no Brasil?

 O museu ao ar livre de Felícia Leirner, hoje

Atualmente o Museu Felícia Leirner apresenta inúmeras atividades. Antes quase abandonado, agora se abre cada vez mais para a população local e visitantes. Por meio da ACAM Portinari, uma organização social de cultura especializada em gestão de museus, e sob a gerência criativa de Marina Falsetti Silveira, a instituição foi recuperada e está em ótimas condições, assim como o auditório Cláudio Santoro, que fica na mesma área, e onde acontece o Festival de Inverno de Música Clássica De Campos de Jordão, considerado o maior da América Latina. 

Em breve lançaremos um post só sobre o Museu Felícia Leirner. Para você não perder o melhor que ele pode oferecer durante sua estadia em Campos do Jordão.

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Créditos da foto: Fonte: Morais, Frederico. “Felícia Leirner: A arte como missão.” Editora Hamburg, 1991.

 

Meditação cristã no mosteiro em Campos do Jordão

Os nossos encontros semanais de meditação cristã acontecerão aqui na capela do Mosteiro São João, a casa-sede das monjas beneditinas em Campos do Jordão. É um lugar de muita paz e beleza, cheio de árvores e flores, cenário perfeito para essa oração silenciosa e contemplativa que nasceu entre os padres do deserto do Egito no século IV. A meditação cristã foi redescoberta na década de 70 por um monge beneditino inglês, John Main, que um dia se perguntou se não existiria uma prática meditativa dentro do cristianismo. Ele a encontrou, e hoje essa prática espiritual se espalha em muitas comunidades cristãs pelo mundo.

Main foi um diplomata inglês que viveu na Malásia nos anos 60. Lá foi apresentado à meditação por um mestre indiano. Como muitos de nós, praticou a meditação com a repetição de um mantra por vários anos, e com grandes resultados, sem saber se na tradição cristã havia algo parecido. Ao se tornar monge num mosteiro beneditino na Inglaterra, abandonou a prática por orientação de seu diretor espiritual. Mas algo nele reconhecia a importância fundamental dela no aprofundamento da vida espiritual do ser humano.

Foi a pedido de um jovem que perguntou para Jonh Main se não havia algo como a meditação dentro da tradição cristã que ele resolveu se debruçar sobre as orações que se faziam no passado. Ao ler um texto de João Cassiano, que viveu cerca de 400 anos depois de Cristo no Egito, o monge beneditino encontrou o que procurava com o nome de oração incessante ou contínua, ou oração do coração. Nela, se repete mentalmente uma palavra ou alguma frase sagrada em silêncio diversas vezes por dia. Exatamente como na meditação feita com o uso de um mantra. Mas se o método é o mesmo, o sentido místico é outro. A oração incessante nos conduz a estar silenciosamente com Deus, a fonte primordial de amor enraizada em nosso coração. De acordo com as tradições místicas do cristianismo, meditar é apenas se estar nesse estado contínuo de Presença e Amor. “O grande mistério da fé cristã reside no fato de que esse amor só pode ser encontrado nos seus corações se vocês entrarem no silêncio e na quietude, e se vocês conseguirem fazer desse amor o centro supremo de todo seu ser e de toda sua ação”, escreveu John Main. Esse Deus que é puro amor é chamado durante a meditação com a repetição de uma única palavra: Maranatha, que quer dizer Vinde, Senhor! É a última frase do Apocalipse, e um chamamento amoroso. 

Hoje a Comunidade Mundial de Meditação Cristã é presidida por Dom Laurence Freeman, discípulo direto de John Main. Tive a alegria de entrevistá-lo algumas vezes e ele é realmente um homem abrasado por Deus. Dom Laurence realiza retiros anuais no Brasil há 20 anos. 

 

 

Leituras, ensinamentos e instruções farão parte dos nossos encontros semanais, além de uma prática meditativa em silêncio por meia hora. No final, nos esperam as delícias feitas no mosteiro que podem ser compradas no quiosque do jardim: leite com chocolate com cupcakes de morango, broas de milho amanteigadas e crocantes, empadas, tortas…. Os beneditinos tem a sabedoria de aliar a alegria da alma com a do corpo, além da comida servir como fonte de trabalho e sustento para as monjas. Mais alguns dias, daremos as datas e horários.

Maiores informações: www.wccm.org.br e www.mosteirosaojoao.org.br

 

Meditação ao Pôr do Sol

Natureza, amor, arte, beleza… quem poderia pedir mais numa oração contemplativa a Deus?

Pois ganhamos esse presente extraordinário: a oportunidade de fazer uma sessão de meditação cristã ao pôr do sol no mirante do Museu Felícia Leirner, em Campos do Jordão.

É a nossa estréia como coordenadores de grupos aqui, e não podíamos estar mais felizes. Eu e Antonio, meu marido, estaremos nesse parque cercado de araucárias e das belas esculturas de Felícia Leirner para dar uma palestra e conduzir uma prática de meditação cristã nesse próximo sábado, dia 16, às 16 horas.

A palestra e a meditação acontecerão na Concha Acústica do Museu, numa área coberta próxima ao auditório Cláudio Santoro. Depois disso, seguiremos em silêncio até o mirante, onde assistiremos o pôr-do-sol em contemplação. Contemplare, em latim, significa “estar como num templo”. Portanto, vamos encerrar o dia num templo sagrado da arte e da natureza, com uma vista de 180 graus do skyline de montanhas da Serra da Mantiqueira.

Se puderem estar presentes, será um grande prazer para nós. 

Conheça mais sobre a meditação cristã no post Meditação Cristã em Campos do Jordão que acabamos de publicar.

Data: 16/07/2016

Horário: 16 horas (chegar com pelo menos com 10 minutos de antecedência)

Local: Concha Acústica do Museu Felícia Leirner/Auditório Cláudio Santoro

 

 

Hi, dourou!!!

 

Viver numa cidade pequena nos devolve prazeres há muito esquecidos, roubados pelo tempo em que permanecemos no trânsito dos grandes centros. Um deles: fazer supermercado com uma amiga, depois tomar um café, conversar sobre a vida e passear por meia hora num bairro de charme para beliscar alguma coisa ou trazer um mimo para a casa.

Foi o que eu fiz há três semanas com a Cláudia, minha vizinha, montanhesa como eu. Moramos no alto de uma colina em Campos do Jordão, entre araucárias e trechos de Mata Atlântica repletos de manacás. Nessa época (de fevereiro a março) as flores rosa e lilás estão em plena floração no meio da floresta. Por causa da proximidade das árvores, a temperatura aqui é dois a três graus mais baixa do que a registrada na cidade. E não é raro eu me ver dentro das delicadas nuvens que cobrem as montanhas da Serra da Mantiqueira, ou avistar largos arco-íris completos ao longe quando bate o sol. É um tal prazer estar aqui que muitas vezes nos recusamos a descer. Então, quando descemos, é realmente para aproveitar.

Duas mulheres juntas num supermercado agem de forma muito diferente do que, por exemplo, quando eu faço compras com meu marido. Para nós, essa não é uma tarefa a ser realizada da maneira mais rápida possível porque existem coisas mais prazerosas para fazer. Nós nos damos tempo. Todo o tempo do mundo. Há um discreto prazer em contemplar as verduras, compará-las, acariciá-las com os olhos e escolher a melhor. Ou em interromper tudo diante de um balcão refrigerado para trocar uma receita especial feita com salmão defumado, alho-poró, creme de leite azedo, erva-doce e dill. Lá descobrimos novos perfumes para a casa, como flor de laranjeira com vetiver, ylang-ylang com pimenta-rosa, bambu com hortelã e madeiras exóticas ou, então,  xicarazinhas de café coloridas de porcelana para, um dia, quem sabe, iniciar uma coleção.

Nos distanciamos uma da outra e depois nos encontramos de novo alguns corredores depois, como se fosse uma dança invisível. Num deles, Cláudia me fala de como montar um pudim com creme de chocolate e baunilha, com leite condensado diet por cima. No outro, eu conto os segredos de como variar pratos com shimeji ou champignons (o marido dela é vegetariano, e acho que vai adorar). No final, escolho um biscoito francês amanteigado com lâminas de amêndoas, em promoção, para a gente tomar depois na lanchonete do Pão de Açúcar. Da próxima vez, prometemos ir na Frutaria do Walter, que tem as melhores frutas e verduras de Campos, muito frescas, na maioria colhidas na região. E, para quem come carne, pode-se encontrar ali uma linguiça de pernil com pimenta muito boa, além de bolos, pães e queijos fresquinhos a bom preço, para levar para a casa. Um ou outro produto é mesmo mais caro, mas nem tanto.

Depois, pegamos o carro para ir para dar uma voltinha de meia hora no Capivari, bairro chique da cidade. Não podemos demorar por causa dos congelados, e porque ainda temos de fazer o jantar, e eu, terminar ainda um texto para a revista Vida Simples. Ao trancar as portas do automóvel, Cláudia se volta para dentro e sussurra. “Frango, se comporte e não me estrague, por favor”. Minha amiga é inesperada, e tem bom humor. Já acostumei.

Ao passar por uma avenida que ladeia um córrego, entramos por acaso numa fabriqueta de chocolate artesanal numa galeria. Ficamos um bom tempo por ali (daquela meia hora que nos permitimos). O perfume era inebriante, uma mistura de licor com chocolate. Uma das mulheres atendia sorridente (Rose, a dona), enquanto a outra (Lilian, a confeiteira) fazia delícias numa minúscula cozinha. Nas prateleiras, produtos de qualidade e toda uma linha diet de geleias e doces de muito sabor (os que provamos, ao menos) e uma dúzia de diferentes tipos de licores com chocolate como base e mais outro ingrediente como pistache, morango, amarula… A marca é quase desconhecida, Sabor Cacau, mas vale a pena experimentar quando vierem para cá. 

Entramos em mais duas lojas, cada uma, um futuro post, com certeza, não compramos nada (era apenas um seeing shopping) e voltamos por uma galeria, a Luís XV,  que ostenta uma mini-Tour Eiffel como símbolo, para pegar o carro. Ao descer as escadarias de lá, Cláudia de repente olha para cima e exclama: “Hi, dourou!!!!”. Fitei o olhar na direção da Vila Inglesa e fiquei boquiaberta. O outono tinha transformado o céu em ouro, com espaços em azul-claro e rosa como moldura. Nós mesmas estávamos inteirinhas douradas ao ser banhadas por aquela estranha luz.

Não existem palavras para descrever aqueles minutos.

A foto que abre esse post, feita pela Cláudia Albuquerque, é um pequeno testemunho daquele instante.

Até a próxima!

Deixe ir…

Essas são as folhas avermelhadas de um ser tocado pela magia do outono. Você pode vê-las como pedaços de memória de uma liquidambar, ou âmbar líquido, talvez um dos nomes mais belos escolhidos para se batizar uma árvore. Elas caíram ao chão nesse começo de abril, e é lá, entre pó e pedras, que vão continuar seu processo de vida e morte. Tornar-se-ão ressequidas, perderão aos poucos seu amarelo-avermelhado, para se transformarem novamente em terra, em húmus fértil, e saudade.  

A liquidambar encontrou aqui no Horto Florestal de Campos do Jordão outra pátria que não a do Canadá. Espraia-se em seus quatro metros de envergadura como uma uma dama generosa. Nós podemos ver outras liquidambar no jardim do Museu Felícia Lerner, companheiras das esculturas dela ao ar livre, ou em pequenas praças da cidade, como a da Igreja da Nossa Senhora da Saúde, uma joia que nos faz lembrar das capelinhas dos Alpes italianos. Junto com os plátanos dourados de ruas e avenidas, que também perdem suas memórias vegetais agora, as árvores nos lembram que existem momentos mais favoráveis para o “deixar ir embora”. Para o soltar-se, para o desagarrar-se. E a natureza nos ajuda a estar atentos à consciência do fim.

Morar num centro urbano normalmente nos desconecta dessa realidade. Não percebemos mais a onda ferruginosa do outono a tudo penetrar e tingir, como nos desenhos animados do Walt Disney. Os astrólogos, antenados com as estrelas, sabem que estamos num final de ciclo que encerra o ano ao pedir nosso desapego do passado, o perdão para quem nos feriu e aquele abraço largo, abrangente, como o das árvores, que nos faz amar toda a humanidade. E o novo ano que se iniciou em Áries (março/abril) nos prepara para o novo e para o futuro. 

Essas palavras, então, são um convite para que também nós nos deixemos mergulhar no outono. E assim encerrar ciclos, se despedir do que não tem mais função na nossa existência. Olhar para amizades, amores ou lugares para tentar sentir se estão vivos e ressoam com o que de mais profundo tem em nosso coração. Ou, se for o caso, concluir que foram momentos bons, sim, mas que já ficaram no passado. É tempo de reflexões, contemplações, comparações, seleções criteriosas. E cortes (o texto continua depois da foto do plátano).

  

As folhas nos ensinam que as memórias, mesmo as doloridas, tem a sua beleza. Sob um comando invisível, elas caem esplêndidas, avermelhadas, em tons de fogo e ouro. Talvez nunca fossem tão bonitas antes. E, apesar disso, se lançam no ar, e dançam em voos tranquilos, auxiliadas pela mão do vento. O auge é o momento certo para se jogar o que não serve mais. Contemple silenciosamente a beleza das memórias ao dizer adeus para elas. E quando sentir, sem hesitar, deixe-as ir. 

Eu escrevi muito sobre casas: arquitetura, decoração, sentido simbólico. É uma das paixões da minha vida. Ao escrever sobre wabi-sabi, ou como o tempo age sobre os objetos,  aprendi que as portas corrediças da casa tradicional japonesa se abrem totalmente para o jardim. As cores que lá estiverem, estarão também dentro dos ambientes internos. Trocam-se pratos, tigelinhas, panos, quimonos e almofadas a cada estação. Também nos haiku (haikai, no Brasil), frases sintéticas em forma de poesia, há quase sempre uma referência à uma estação da natureza no primeiro ou no último verso. Enfim, as formas de arte do Japão recebem cores, sensações e sentimentos que tocam nossos sentidos em determinado período.

Eu já ensinei o encantamento dos haiku no Parque da Aclimação, em São Paulo, aos domingos. Era surpreendente o resultado: todos, absolutamente todos os participantes, saíam dali com os sentidos abertos, e capazes de traduzir suas sensações em palavras dentro da métrica precisa desse tipo de poesia. Como a fotografia contemplativa, os haiku nos abrem para o espírito do tempo (leia mais sobre esse tema em Artigos e Reportagens, aqui no Red Lotus). Eles são uma forma de meditação. E essa é uma boa época para aprender a utilizar essas ferramentas simples, que nos ajudam a estar plenamente presentes. No futuro, pensamos em ensiná-las de novo aqui em Campos do Jordão.

Mas, por enquanto, apenas perceba o que não tem mais significado e importância para você. Reconheça com coragem quando um ciclo acabou. E despeça-se dele. Com beleza, com harmonia, com agradecimento. E corte com a precisão de um golpe de espada de samurai.

Deixo aqui o balé do outono nas árvores do Canadá para inspirar seu coração.

 

 

 

 

 

 

 

Viver na Mantiqueira

Nós inauguramos hoje uma nova página do Red Lotus Spiritual Travels.

Ela é mais pessoal e intimista, e conta um pouco mais de nossa vida aqui em Campos do Jordão.

Escolher viver em outro lugar abre uma etapa na vida de qualquer pessoa. Encerram-se ciclos, mudam as amizades, perfumes e cheiros são outros, sabores inebriam, e o olhar traz surpresas e alegrias…

Muito bom começar de novo!

Aqui vamos falar do nosso cotidiano em Campos, dos personagens da cidade, da gastronomia e dos passeios e, talvez mais do que tudo, descobrir uma outra maneira de olhar para esse lugar tão especial. Reflexões sobre a vida, nossos aprendizados (e erros!) e as pequenas preciosidades que encontramos aqui vão fazer parte desse percurso.    

Acompanhe essa viagem conosco!

Um artigo sobre o Deixar ir e o outono em Campos do Jordão vai ser nossa porta de entrada.

Vamos entrar juntos nesse novo universo! 

 

 

 

 

 

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